OBRIGADO
Aos que me dão lugar no bonde
e que conheço não sei donde,
aos que me dizem terno adeus,
sem que lhes saiba os nomes seus,
aos que me chamam deputado
quando nem mesmo sou jurado,
aos que, de bons, se babam: mestre!
inda se escrevo o que não preste,
aos que me julgam primo-irmão
do rei da fava ou do Indostão,
aos que me pensam milionário
se pego aumento de salário
- e aos que me negam cumprimento
sem o mais mínimo argumento,
aos que não sabem que eu existo,
até mesmo quando os assisto,
aos que me trancam sua cara
de carinho alérgica e avara,
aos que me tacham de ultrabeócia
a pretensão de vir da Escócia,
aos que vomitam (sic) meus poemas,
nos mais simples vendo problemas,
aos que, sabendo-me mais pobre,
me negariam pano ou cobre
- eu agradeço humildemente
gesto assim vário e divergente,
graças ao qual, em dois minutos,
tal como o fumo dos charutos,
já subo aos céus, já volvo ao chão,
pois tudo e nada nada são.
Carlos Drummond de Andrade
60 Anos de Poesia, Antologia organizada e apresentada por Arnaldo Saraiva, Edições «O Jornal», Lisboa, Março 1985
«Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.» Livro dos Conselhos, El-Rei D. Duarte
31.10.12
30.10.12
Veja as diferenças
Com a devida vénia, a ligação para um texto de opinião de Viriato Soromenho Marques:
Veja as diferenças - Opinião - DN
Veja as diferenças - Opinião - DN
24.10.12
19.10.12
MANUEL ANTÓNIO PINA [1943-2012]
As coisas
Há em todas as coisas uma mais-que-coisa
fitando-nos como se dissesse: "Sou eu",
algo que já lá não está ou se perdeu
antes da coisa, e essa perda é que é a coisa.
Em certas tardes altas, absolutas,
quando o mundo por fim nos recebe
como se também nós fôssemos mundo,
a nossa própria ausência é uma coisa.
Então acorda a casa e os livros imaginam-nos
do tamanho da sua solidão.
Também nós tivemos um nome
mas, se alguma vez o ouvimos, não o reconhecemos.
Manuel António Pina
COMO SE DESENHA UMA CASA, Assírio & Alvim, Lisboa, 2011
Há em todas as coisas uma mais-que-coisa
fitando-nos como se dissesse: "Sou eu",
algo que já lá não está ou se perdeu
antes da coisa, e essa perda é que é a coisa.
Em certas tardes altas, absolutas,
quando o mundo por fim nos recebe
como se também nós fôssemos mundo,
a nossa própria ausência é uma coisa.
Então acorda a casa e os livros imaginam-nos
do tamanho da sua solidão.
Também nós tivemos um nome
mas, se alguma vez o ouvimos, não o reconhecemos.
Manuel António Pina
COMO SE DESENHA UMA CASA, Assírio & Alvim, Lisboa, 2011
9.10.12
Do poema como contrato social
Comércio bilingue, o poema precisa da troca,
sobretudo se inútil,
da espontaneidade de poucos, dessa ideia de passagem,
de derrocadas e do silêncio que lhes sucede,
precisa de descendências particularmente radicais
do relâmpago ou de um absurdo ainda maior
para se tornar próximo
O poema é conversa humana
palavra que recuperamos
ao abandonar
José Tolentino Mendonça
ESTAÇÃO CENTRAL, Assírio & Alvim, Lisboa, Setembro de 2012
sobretudo se inútil,
da espontaneidade de poucos, dessa ideia de passagem,
de derrocadas e do silêncio que lhes sucede,
precisa de descendências particularmente radicais
do relâmpago ou de um absurdo ainda maior
para se tornar próximo
O poema é conversa humana
palavra que recuperamos
ao abandonar
José Tolentino Mendonça
ESTAÇÃO CENTRAL, Assírio & Alvim, Lisboa, Setembro de 2012
7.10.12
ZIGUEZAGUE
De repente, parece que nada disto está
nas nossas mãos. O dia começou frio
e aproximam-se ventos fortes. Avistámos
uma patrulha de reconhecimento de longo
alcance. Contactos internacionais
que ultrapassam o nosso entendimento.
A primeira regra de emergência? Avaliar
os recursos disponíveis (talvez uma reza
a S. Judas, padroeiro das causas perdidas).
Mas o progresso avança em ziguezague.
É melhor baixar as velas, todos os homens
ao mastro. Ratinhos indefesos, sem saberem
que a sombra do falcão lhes cobre as costas.
Vítor Nogueira
Comércio Tradicional, Averno, Outubro de 2008
nas nossas mãos. O dia começou frio
e aproximam-se ventos fortes. Avistámos
uma patrulha de reconhecimento de longo
alcance. Contactos internacionais
que ultrapassam o nosso entendimento.
A primeira regra de emergência? Avaliar
os recursos disponíveis (talvez uma reza
a S. Judas, padroeiro das causas perdidas).
Mas o progresso avança em ziguezague.
É melhor baixar as velas, todos os homens
ao mastro. Ratinhos indefesos, sem saberem
que a sombra do falcão lhes cobre as costas.
Vítor Nogueira
Comércio Tradicional, Averno, Outubro de 2008
5.10.12
Jorge de Sena
A Canalha
Como esta gente odeia, como espuma
por entre os dentes podres a sua baba
de tudo sujo sem sequer prazer!
Como se querem reles e mesquinhos,
piolhosos, fétidos e promíscuos
na sarna vergonhosa e pustulenta!
Como se rabialçam de importantes,
fingindo-se de vítimas, vestais,
piedosas prostitutas delicadas!
Como se querem torpes e venais
palhaços pagos da miséria rasca
de seus cafés, popós e brilhantinas!
Há que esmagar a DDT, penicilina
e pau pelos costados tal canalha
de coxos, vesgos, e ladrões e pulhas,
tratá-los como lixo de oito séculos
de um povo que merece melhor gente
para salvá-lo de si mesmo e de outrem.
Jorge de Sena
7 de Dezembro de 1971
Publicado na revista Hífen, Porto, n.º 6, Fevereiro 1991
DEDICÁCIAS seguido de Discurso da Guarda, Guerra e Paz Editores, S.A., Março de 2010
Como esta gente odeia, como espuma
por entre os dentes podres a sua baba
de tudo sujo sem sequer prazer!
Como se querem reles e mesquinhos,
piolhosos, fétidos e promíscuos
na sarna vergonhosa e pustulenta!
Como se rabialçam de importantes,
fingindo-se de vítimas, vestais,
piedosas prostitutas delicadas!
Como se querem torpes e venais
palhaços pagos da miséria rasca
de seus cafés, popós e brilhantinas!
Há que esmagar a DDT, penicilina
e pau pelos costados tal canalha
de coxos, vesgos, e ladrões e pulhas,
tratá-los como lixo de oito séculos
de um povo que merece melhor gente
para salvá-lo de si mesmo e de outrem.
Jorge de Sena
7 de Dezembro de 1971
Publicado na revista Hífen, Porto, n.º 6, Fevereiro 1991
DEDICÁCIAS seguido de Discurso da Guarda, Guerra e Paz Editores, S.A., Março de 2010
2.10.12
Jorge Fazenda Lourenço
20031213 (1)
Há poetas que como
As maçãs, isto é,
Caem de podres ou
Entra-lhes o bicho e
Caem de podres ou
Fazem-se d'estrume
Poetas.
Jorge Fazenda Lourenço
Cutucando a musa com verso longo e curto e outras coisas leves e pesadas, Relógio D'Água Editores, Lisboa, Novembro de 2009
Há poetas que como
As maçãs, isto é,
Caem de podres ou
Entra-lhes o bicho e
Caem de podres ou
Fazem-se d'estrume
Poetas.
Jorge Fazenda Lourenço
Cutucando a musa com verso longo e curto e outras coisas leves e pesadas, Relógio D'Água Editores, Lisboa, Novembro de 2009
Subscrever:
Mensagens (Atom)