31.12.12

Paulo Rocha [1935-2012]



«Verdes Anos»

Poema: Pedro Tamen
Música: Carlos Paredes
Voz: Teresa Paula Brito (a cantora da banda sonora do Filme)

(colhido em samartime)

24.12.12

passagem

 
para o dia 25.12.2012
 
(com a devida vénia, colhida no blogue súbito)

17.12.12

Fernando Lopes-Graça (17 DEZ 1906 - 1994)



Fernando Lopes-Graça - «Duas Canções»

(colhidas em Logros Consentidos)

12.12.12

A EUROPA

A Europa da morte.
A Europa sem Deus.

São colónias da Alemanha
Portugal
e restantes países europeus.

Hitler perdeu a guerra, mas os seus
filhos e netos já cantam vitória
à custa da Usura.

António Barahona

Telhados de Vidro, N.º 17 . Novembro . 2012

9.12.12

Canção de Catarina



Poema de Papiniano Carlos
Música de Fernando Lopes-Graça

(colhida em anónimo sec. xxi)

5.12.12

Papiniano Carlos [1918-2012]

UM GALO CANTA


Um galo canta
na manhã futura.
Seu canto espanta
a noite escura.

Abre-se, floresce
como um clarim.
Ou será que amanhece
dentro de mim?

Aqui, onde
tudo acaba e principia:
sol que nunca se esconde,
noite que sempre foi dia.

Papiniano Carlos

SONHAR A TERRA LIVRE E INSUBMISSA..., Editorial Inova, SARL, Porto, 1973

2.12.12

A PERDA

A perda real é a perda do sentido

Só se perde o sentido do que não
foi nunca real senão quando perdido

Gastão Cruz

ESCARPAS, Assírio & Alvim, Lisboa, Fevereiro 2010

1.12.12

Um abismo

Um abismo de silêncio
abriu-se na casa.

Funâmbulo
entre dois tempos:
o passado, lenitivo
o futuro, ameaçador.

Pelas ruas, tal um verme,
rasteja o presente.

Jorge Gomes Miranda

REQUIEM, Assírio & Alvim, Lisboa, Novembro 2005

24.11.12

ESPANTA-ESPÍRITOS

Amanhã tudo será pior
ainda, eu sei: o hábito, a inércia,
o sem remédio da vida - tão pouco
haverá a salvar.

Por toda a cidade os desconhecidos
subirão outro degrau para o escuro
da noite, e a memória será talvez
um remorso:

aquela manhã de sol
na varanda, o espanta-espíritos
com peixes de alumínio num rosário
de contas profanas.

Ainda o tens? Ainda canta,
de madrugada, se o vento sopra
do mar?

Não importa. Foi sempre de menos
o muito que pedimos

e a parte que tivemos.

Rui Pires Cabral

CAPITAIS DA SOLIDÃO, Edição Teatro de Vila Real, Outubro, 2006

19.11.12

Mil Novecentos e Noventa e Um

Velhas coisas são as que guardamos
no sótão
e não queremos devolver à procedência,

uma vara de garrafas vazias,
revistas esfarrapadas,
cartões de visita,
um par de sapatos de verniz,
quase novos,
a que se junta
uma carteira gasta,
de senhora,
um manequim sem cabeça,
uma panela furada,
o berbequim.

Pena é que os furos possíveis
não caibam já no cinto,
e a dentadura
não nos caiba na boca.

Presa a língua à trave que suporta o telhado
e as palavras disponíveis
para abate,
teríamos, por fim,
acantonado o silêncio,

o desusado silêncio
do sótão imperturbado.

Amadeu Baptista

açougue, &etc, Lisboa, Junho de 2012

18.11.12

MATEUS, 26, 26

Tomai, este é o meu corpo:
formas e símbolos.

Fora de mim, o meu reino
desmembra-se dentro de mim.

E o que fala falta-me
dentro do coração.

E estou sozinho fora de mim
como um coração fora de mim.

Manuel António Pina

POESIA REUNIDA (1974-2001), Assírio & Alvim, Lisboa, Novembro 2001

16.11.12

Os inquiridores

Está o mundo coberto de piolhos:
Não há palmo de terra onde não suguem,
Não há segredo de alma que não espreitem
Nem sonho que não mordam e pervertam.

Nos seus lombos peludos se divertem
Todas as cores que, neles, são ameaças:
Há-os castanhos, verdes, amarelos,
Há-os negros, vermelhos e cinzentos.

E todos se encarniçam, comem todos,
Concertados, vorazes, no seu tento
De deixar, como restos de banquete,
No deserto da terra ossos esburgados.

José Saramago

Os Poemas Possíveis, Editorial Caminho, Outubro de 1998

15.11.12

[O valor das coisas]

O valor das coisas
não está tanto nelas
como no valor que lhes atribuímos
Daí a nossa incerteza
mas também a margem
da nossa liberdade

António Ramos Rosa

Em torno do imponderável, Editora Licorne, Lisboa, Outubro de MMXII

13.11.12

Greve

"greve (1962)", de Augusto de Campos

P.S.: Amanhã este blogue vai fazer greve.

11.11.12

[O poeta carreirista]

O poeta carreirista
está sempre a morrer nos poemas
de cancro do pulmão ou cirrose hepática
mas na verdade cuida da sua obra (e do respectivo autor)
data-a e arquiva-a minuciosamente
trava mesmo amizade com uma bibliotecária
que o auxilia em bräille
não vá acontecer-lhe
como a Camilo
frequenta o ginásio,
masca Trident Senses
e milita nos partidos certos.
O poeta carreirista já nasceu poeta
foi bem orientado desde pequeno
inscrevendo-se na Associação Portuguesa de Autores
mesmo sem obra publicada
não fosse alguém roubar-lhe a ideia
dorme com um olho aberto outro fechado
- nos poemas lê-se insónia -
e namora rapariga letrada
embora aos 35 sofra uma crise de orientação sexual
e aos 40 tente uma escrita erótica mais abrangente
a manquejar Sena e a farejar alguns espanhóis.
O poeta carreirista não bebe cerveja
mas vinho tinto do Alentejo
abre às vezes excepções e acompanha-a com
tremoços e caracóis.
O poeta carreirista vai a tudo
rádio, TV e revistas,
coquetterie fina
e instala-se, de preferência, na capital.

Ana Paula Inácio

2010-2011, Averno, Junho de 2011

4.11.12

[Porque o poema é sempre contra o vómito]

Porque o poema é sempre contra o vómito.
Porque o poema é sempre, SOBRETUDO,
contra engolir o vómito.

Vasco Gato

Omertà, Quasi Edições, Março 2007

31.10.12

Carlos Drummond de Andrade

OBRIGADO


Aos que me dão lugar no bonde
e que conheço não sei donde,

aos que me dizem terno adeus,
sem que lhes saiba os nomes seus,

aos que me chamam deputado
quando nem mesmo sou jurado,

aos que, de bons, se babam: mestre!
inda se escrevo o que não preste,

aos que me julgam primo-irmão
do rei da fava ou do Indostão,

aos que me pensam milionário
se pego aumento de salário

- e aos que me negam cumprimento
sem o mais mínimo argumento,

aos que não sabem que eu existo,
até mesmo quando os assisto,

aos que me trancam sua cara
de carinho alérgica e avara,

aos que me tacham de ultrabeócia
a pretensão de vir da Escócia,

aos que vomitam (sic) meus poemas,
nos mais simples vendo problemas,

aos que, sabendo-me mais pobre,
me negariam pano ou cobre

- eu agradeço humildemente
gesto assim vário e divergente,

graças ao qual, em dois minutos,
tal como o fumo dos charutos,

já subo aos céus, já volvo ao chão,
pois tudo e nada nada são.

Carlos Drummond de Andrade

60 Anos de Poesia, Antologia organizada e apresentada por Arnaldo Saraiva, Edições «O Jornal», Lisboa, Março 1985

30.10.12

Veja as diferenças

Com a devida vénia, a ligação para um texto de opinião de Viriato Soromenho Marques:

Veja as diferenças - Opinião - DN

19.10.12

MANUEL ANTÓNIO PINA [1943-2012]

As coisas


Há em todas as coisas uma mais-que-coisa
fitando-nos como se dissesse: "Sou eu",
algo que já lá não está ou se perdeu
antes da coisa, e essa perda é que é a coisa.

Em certas tardes altas, absolutas,
quando o mundo por fim nos recebe
como se também nós fôssemos mundo,
a nossa própria ausência é uma coisa.

Então acorda a casa e os livros imaginam-nos
do tamanho da sua solidão.
Também nós tivemos um nome
mas, se alguma vez o ouvimos, não o reconheceremos.

Manuel António Pina

COMO SE DESENHA UMA CASA, Assírio & Alvim, Lisboa, 2011

9.10.12

Do poema como contrato social

Comércio bilingue, o poema precisa da troca,
sobretudo se inútil,
da espontaneidade de poucos, dessa ideia de passagem,
de derrocadas e do silêncio que lhes sucede,
precisa de descendências particularmente radicais
do relâmpago ou de um absurdo ainda maior
para se tornar próximo

O poema é conversa humana
palavra que recuperamos
ao abandonar

José Tolentino Mendonça

ESTAÇÃO CENTRAL, Assírio & Alvim, Lisboa, Setembro de 2012

7.10.12

ZIGUEZAGUE

De repente, parece que nada disto está
nas nossas mãos. O dia começou frio
e aproximam-se ventos fortes. Avistámos
uma patrulha de reconhecimento de longo
alcance. Contactos internacionais
que ultrapassam o nosso entendimento.

A primeira regra de emergência? Avaliar
os recursos disponíveis (talvez uma reza
a S. Judas, padroeiro das causas perdidas).

Mas o progresso avança em ziguezague.
É melhor baixar as velas, todos os homens
ao mastro. Ratinhos indefesos, sem saberem
que a sombra do falcão lhes cobre as costas.

Vítor Nogueira

Comércio Tradicional, Averno, Outubro de 2008

5.10.12

Jorge de Sena

A Canalha


Como esta gente odeia, como espuma
por entre os dentes podres a sua baba
de tudo sujo sem sequer prazer!
Como se querem reles e mesquinhos,
piolhosos, fétidos e promíscuos
na sarna vergonhosa e pustulenta!
Como se rabialçam de importantes,
fingindo-se de vítimas, vestais,
piedosas prostitutas delicadas!
Como se querem torpes e venais
palhaços pagos da miséria rasca
de seus cafés, popós e brilhantinas!
Há que esmagar a DDT, penicilina
e pau pelos costados tal canalha
de coxos, vesgos, e ladrões e pulhas,
tratá-los como lixo de oito séculos
de um povo que merece melhor gente
para salvá-lo de si mesmo e de outrem.

Jorge de Sena

                              7 de Dezembro de 1971

Publicado na revista Hífen, Porto, n.º 6, Fevereiro 1991

DEDICÁCIAS seguido de Discurso da Guarda, Guerra e Paz Editores, S.A., Março de 2010

2.10.12

Jorge Fazenda Lourenço

20031213 (1)


Há poetas que como
As maçãs, isto é,
Caem de podres ou
Entra-lhes o bicho e
Caem de podres ou
Fazem-se d'estrume
Poetas.

Jorge Fazenda Lourenço

Cutucando a musa com verso longo e curto e outras coisas leves e pesadas, Relógio D'Água Editores, Lisboa, Novembro de 2009

22.9.12

Natália Correia‎*- "Queixa das almas jovens censuradas"


Acordai



Música: Fernando Lopes Graça

Poema: José Gomes Ferreira

Interpretação: Coro de Câmara Lisboa Cantat

14.9.12

[O ódio é uma faca]

O ódio é uma faca
na bainha

pronta a ser usada.

Porque deixas
que as lágrimas no sangue
te desarmem?

Egito Gonçalves

O FÓSFORO NA PALHA, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Abril de 1970

8.9.12

O ABUTRE

Arrastando a sua fome através do céu
do meu crânio concha de céu e da terra

mergulhando sobre os tombados de borco
que breve  deverão retomar a vida e andar

escarnecido por um tecido que poderá não
                                                        [servir
até que a fome a terra e o céu se convertam
                                                [em refugo.

Samuel Beckett

POEMAS ESCOLHIDOS, Antologia organizada por Magnus Hedlund, tradução Jorge Rosa e Armando da Silva Carvalho, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Março de 1970

1.9.12

GLOSA DE UM POEMA DE JORGE RIECHMANN

Quando estiveres
entre aqueles
que nunca lêem poemas,
lê-lhes um poema. Quando estiveres
entre aqueles
que escrevem poemas,
não lhes fales de poemas;
fala-lhes daqueles que nunca lêem poemas.

Luís Filipe Parrado

DEITAR A LÍNGUA DE FORA (Vários Autores), Língua Morta, Julho de 2012

26.8.12

declaração de rendimentos

no meio de tanta incerteza. "é a prosa da
vida que faz falta a muita gente". sentença de escritor.
roubam-te a esperança. o fundo olhar da paixão.
               chegam-se a ti com
um fósforo. e querem levar
tudo. a troco de um esgar. cotado em bolsa.
               querem vampirizar o ar que
respiras. cuida. meu amor. cuida da prosa.
do vagaroso espreguiçar da palavra. leva-a.
                no cesto da fruta. antes
que apodreça na casca endividada.
querem que os teus olhos. calem. as fogueiras. a alegria.
                o sol. que te
venderam. como só teu. e agora. cobram juros.
porque existe. porque sim. é preciso cortar em tudo. dizem.
                porque o
sol também é um assalariado.
e a luz que lhe assiste. (à excepção dos senhores
                que lhe sugaram a
energia. toda. renovável). tem custos.
umas manhãs às escuras. ou. uns poentes apagados.
                consolidam as finanças.
sabes amor. estamos na boca da turbina. de assépticos.
                predadores. cuida amor.
guarda a palavra. semeia-a no ventre. inventa-a.
                na dança silenciosa
dos teus lábios.
a palavra. em prosa serena. que ainda.
não paga IVA. se já te arrancaram o fôlego.
                para pagar os juros da
dívida. salva. a imaginação que (ainda) não é tributada.

Alberto Serra

morrer de vagar, Edição Temas Originais, Lda., Coimbra, 2012

23.8.12

NOVA

grita
de modo
a
retirares
de
cada
sopro

uma semente.

João Silveira

Agio, Revista de Literatura, Fevereiro 2011, Edição Artefacto, Lisboa

18.8.12

O MORTO: SUA ASTRONOMIA

A astronomia do morto é um grito
sem resposta. Necessita de um computador
que lhe diga como descer da constelação:
alfabetos escadas da dor. Os olhos entendem sem ouvir

as suas equações do movimento: cinemáticas!
Quanto a mim bastava-lhe a tristeza: peso
cadente das estrelas e os hieroglifos eternos
das esquinas da história e da histeria.

Rancor enxertado por decretos e votos e hinos.
É terrível ser homem moribundo. A morte
levanta a sua constelação para que eu morra.
Nem há mesmo outra astronomia.

Alexandre Pinheiro Torres

A Flor Evaporada, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1984

15.8.12

[A mentira que fingem]

A mentira que fingem
é verdade.

A submissão
corrompe. Não nasceram
ainda.
Poderão nascer
mais tarde
tão adultos de aspecto?

Egito Gonçalves

O FÓSFORO NA PALHA, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Abril de 1970

14.8.12

O ENFORCADO

No gesto suspensivo de um sobreiro,
o enforcado.

Badalo que ninguém ouve,
espantalho que ninguém vê,
suas botas recusam o chão que o rejeitou.

Dele sobra o cajado.

Alexandre O'Neill

POESIAS COMPLETAS, Assírio & Alvim, 5.ª Edição, Lisboa, Maio de 2007

12.8.12

o só

Na longa alameda a luz aos pedaços cai
mole do alto dos postes. Ele olha.

Para que não doa, apenas olha.
E não dói.

Eucanaã Ferraz

Cinemateca, Quasi Edições, Fevereiro de 2009

11.8.12

BILHETE-POSTAL NEGRO

I

Calendário repleto de compromissos, futuro incerto.
O rádio trauteia uma canção popular sem nacionalidade.
Cai neve no mar totalmente gelado. Vultos
             acotovelam-se no cais.


II

Acontece, a meio da vida, a morte bater-nos à porta
e tomar-nos as medidas. Essa visita é esquecida,
e a vida continua. O fato, porém, esse
             é cosido em silêncio.

Tomas Tranströmer

50 Poemas, Tradução de Alexandre Pastor, Relógio D'Água Editores, Lisboa, julho de 2012

1.8.12

Pequeno tratado sobre a ubiquidade

Se não estiver
o cu
está a conta
para atestar
com avidez


No topo
da gestão
o que mais conta
é cevar
a cupidez


© Domingos da Mota

a partir da leitura da notícia: Gestores acumulavam, em média, cargos executivos em oito empresas em 2010 - Economia - PUBLICO.PT

25.7.12

Di Versos - Revista de Poesia e Tradução - N.º 17


Das Edições Sempre-em-Pé, surgiu nas livrarias a Revista Di Versos - Poesia e Tradução / n.º 17 - julho de 2012.
Com poemas de autores estrangeiros, muitos deles em versão bilingue, e alguns inéditos de autores portugueses, este número da revista alia-se à "celebração de 60 anos de poesia de Albano Martins", com uma brevíssima antologia realizada por José Carlos Marques, a partir do livro As Escarpas dos Dias, Poesia 1950-2010 (Porto, Edições Afrontamento, Maio de 2010).

21.7.12

Helena Cidade Moura [1924 - 2012]

Com a devida vénia, e o meu pesar por esta infausta notícia (que foi colhida no blogue de Amadeu Baptista): Helena Cidade Moura, responsável pela maior campanha de alfabetização organizada em Portugal no pós-25 de Abril, faleceu na sexta-feira,...

7.7.12

Onze meditações sobre a ira

6.

Sei de lugares onde
não prospera nenhuma
forma de ira.

Eu nunca frequentei
tão sórdidos lugares.

A. M. Pires Cabral

[O LIVRO DOS LUGARES E OUTROS POEMAS], ANTES QUE O RIO SEQUE, Assírio & Alvim, Lisboa, Outubro 2006

2.7.12

Bonjour

Com a devida vénia, reprodução colhida no blogue de J. Rentes de Carvalho, TEMPO CONTADO: Bonjour

28.6.12

"na mesa amarela" - de Ulisses Duarte



Colhido no grupo, Poetas esquecidos, do Facebook, apud Daniel Almeida Pinto

18.6.12

As Bombas

Não há mais palavras a dizer
Só ficámos com as bombas
Que estouram dentro das nossas cabeças
Só ficaram as bombas
Que nos chupam o último sangue
Só ficámos com as bombas
Que dão lustro aos crânios dos mortos

Fevereiro 2003

Harold Pinter

GUERRA, Tradução de Pedro Marques, Jorge Silva Melo e Francisco Frazão, Quasi Edições, Junho de 2003

Arquivo morto

 EscritArtes - Menção de qualidade poesia (Dezembro 2008) - Domingos da Mota

17.6.12

RECADO AOS CORVOS

Levai tudo:
o brilho fácil das pratas,
o acre toque das sedas.

Deixai só a incombustível
memória das labaredas.

A. M. Pires Cabral

[COMO SE BOSCH TIVESSE ENLOUQUECIDO], in ANTES QUE O RIO SEQUE  poesia reunida, Assírio & Alvim, Lisboa, Outubro de 2006

10.6.12

CAMÕES E A TENÇA

Irás ao Paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce

Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou  seu ser inteiramente

E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto

Irás ao Paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência

Este país te mata lentamente

Sophia de Mello Breyner Andresen

OBRA POÉTICA III (2.ª Edição), Caminho, Agosto de 1996

5.6.12

APARTE

No verso me integrei, decassilábico,
que aprecio, tão sóbrio e tão lacónico;
se em vez de ser heróico ele for sáfico,
troca o ser incisivo por eufónico.

O verso alexandrino é redundante
e, quando colocado num soneto,
o soneto se torna exuberante,
perde o tom que lhe é próprio, o ar discreto.

O soneto insubmisso tenta o poeta:
incerto mas ardente - esquiva chama.
Como O'Neill "pedalando a bicicleta"
e, como "a custo", Sebastião da Gama.

Perdoem! misturei técnica e arte:
isto não é um soneto, é um aparte.

Armando Pinheiro

Sonetos Plurais, Gota de Água

2.6.12

Esposo serve vinho à mulher para almejar seus favores

Toma. Isso. Bebe tudo. É
um Porto de 85. Delidos pelo sofá deixemos
que deste vinho nos dê de beber
Dioniso. Escolher um sofá de sala
já devia precaver duas ou três características:
ser largo como o fastio
(profundo
como o quebranto) tão
longo como a preguiça. Isso. Mais?
Bebe tudo. Há
depois esses que adestram
(ébrios de vinho e poesia) o
tédio da burguesia.

João Luís Barreto Guimarães

Poesia Reunida, Posfácio de José Ricardo Nunes, Quetzal Editores, Lisboa, Outubro de 2011
(Nota: no v. 4.º deste poema, na edição do livro Luz Última, em vez de Dioniso, lê-se, Dionísio).

23.5.12

ILUMINAÇÃO NA PONTE DE LEÇA

Arranca  Pára
Pára  Arranca
De súbito a tua cara
a tua barba branca

Em cima de um contentor
manobrando um guindaste
Pai Pai porque
me abandonaste?

Jorge Sousa Braga

O NOVÍSSIMO TESTAMENTO e outros poemas, Assírio & Alvim, Lisboa, Abril de 2012

20.5.12

Por Timor

Afaga o sol, o sol
nascente à proa
de uma sarça de dor
atroz, tamanha:
a dor maior
do que as montanhas
- à mercê do cinismo
e do terror.

Acende a voz, agarra
o tempo e voa a salvar
o que resta em carne viva
da terra dizimada,
destruída
- que renasce das cinzas,
por Timor.

                                           V. N. Gaia, Setembro de 1999

© Domingos da Mota

in UM GRITO POR TIMOR, Edição INATEL / Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, Dezembro de 1999

19.5.12

"Este coiso"

Parafraseando o conselho de José Saramago, em epígrafe, acrescento: se podes ouvir, escuta:

�lvaro Santos Pereira - O coiso by Alex Guerreiro

16.5.12

[A mesa está suja]

A mesa está suja
e a cadeira tem restos mortais
de tanta gente.

Onde pousar a próxima dúvida?

Rosa Alice Branco

CONCERTO AO VIVO, & etc, 2012

13.5.12

CARLOS PAREDES, 1990

Tinha pedido uma cerveja,
um pires de caracóis
e uma espécie de cinzeiro,
em frente ao convento do Carmo.

Aí mesmo tive de saber
a morte de Carlos Paredes.
Fazia sentido: ali mesmo,
entre ruínas, assisti
a um dos seus últimos concertos.

Era outro o céu - o céu
pobre de Lisboa, caindo
sobre a minha juventude. Mas
parece tão igual a perda,
o silêncio parado das mãos.

Quando o desastre chega,
pedimos mais cerveja
e aceitamos, por fim,
o calmo desfavor dos versos.

Manuel  de Freitas

JUKEBOX, Edição Teatro de Vila Real, Abril, 2005

11.5.12

Bernardo Sassetti - Da Noite - Ao Silêncio



Junto, com a devida vénia, de um belo poema de Eugénio de Andrade:

"Faltava-te essa música ainda,
a do silêncio, fria de tão nua,
agora para sempre e sempre tua."

9.5.12

O Governo invisível

Com a devida vénia, um artigo de opinião de Baptista-Bastos que vale a pena ler, pois também por cá se sente duramente «o governo invisível dos poderosos» e dos seus títeres de turno:

O Governo invisível - Opinião - DN

30.4.12

April in Portugal



Com a devida vénia, "em jeito de homenagem a Louis Armstrong".

6.4.12

MICENAS

Por algumas
moedas de cobre compra-se
o ouro do tempo.

Albano Martins

CASTÁLIA E OUTROS POEMAS, Campo das Letras - Editores, S.A., Porto, Maio de 2001

25.3.12

O QUE DIZ O RATO

Tenho um destino. Nasci
para roer o silêncio - e vou roê-lo
metodicamente

até que um dia se invertam os papéis
e seja o silêncio a roer-me a mim.

A. M. Pires Cabral

COBRA-D'ÁGUA, Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 2011

23.3.12

PENHORES

Aros esmaecidos, os anéis repousam
em brilhos desertos. Quantas
histórias banais, com o letreiro de
ouro usado. Nessa dúbia cor, uma
nobre tristeza resgata
os formatos vulgares e desenha
velhas parábolas
de purgatório e redenção.

Inês Lourenço

TEORIA DA IMUNIDADE, Edição Felício & Cabral - Publicações, Lda, Porto, Dezembro de 1966

10.3.12

DANOS COLATERAIS

- A tristeza não tem futuro,
sussurra-me esta sexta de Março.
Eu amaldiçoo as nuvens escuras,
e ela desperta uma torrente de pássaros.

Eu só vejo sangue nas coisas,
ela lava com água as minhas mãos.
O café não me sabe a manhã,
e ela sugere promessas de sábado.

- A esperança é a última a morrer,
repete-me esta sexta de Março.
Os jornais cheiram a morte,
e ela traz-me uma página em branco.

Ángel Mendoza

criatura N.º 6 . Novembro . 2011, Selecção e tradução de Inês Dias, Organizado pelo Núcleo Autónomo Calíope da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa

7.3.12

TERRITÓRIO

Um céu de sombras
vermelho por dentro
clareira solta
sobre o mar
O sonho como um galo branco
iluminando a noite
para que os ossos da névoa
ganhem contornos de pele
Um pássaro vibrando
na solidão de cada ferida
O granítico ódio
destas ruas sem rostos
deste pranto sem corpo
de país castigado

José Manuel de Vasconcelos

A MÃO NA ÁGUA QUE CORRE, Assírio & Alvim, Lisboa, Março 2011

2.3.12

A Terceira Miséria

20.


E veio outra miséria, em interlúdio:
A miséria da interpretação
Que tudo trai. Os textos, os tão belos
Textos do ódio e da melancolia
Carregavam os sacos dos soldados
Como pães doces, abolorecidos,
Alimentavam quem? Persas, de novo.
Persas vindos do Norte, equivocados
Com o som do poema, com a ira
Formosa do poema.

Hélia Correia

A Terceira Miséria, Relógio D'Água Editores, Fevereiro de 2012

27.2.12

Ensaísta e poeta à conversa nas Correntes d'Escrita - Renascença

Com a devida vénia, uma conversa da jornalista Maria João Costa, na Rádio Renascença, com Eduardo Lourenço e Manuel António Pina:

Ensaísta e poeta à conversa nas Correntes d'Escrita - Renascença

18.2.12


ANDRÉ DAHMER, EM "MALVADOS"
colhido no Bar do Bardo

12.2.12

OS GRANDES AMIGOS

São como as árvores
de grande porte.
Quando elas partem
as raízes ficam
aquém da morte

1987

Luís Veiga Leitão

POESIA COMPLETA, Organização de Luís Adriano Carlos e Paula Monteiro Apresentação crítica de Luís Adriano Carlos, Asa Editores, S.A., Porto, Setembro de 2005

7.2.12

DESVERSOS

2.

Este ministro é um mentiroso
que agonia quando ele discursa
e se fosse só isso: bale sem jeito
às meias horas seguidas - e não pára!

bem-aventurados os duros de ouvido
a quem o céu abrirá as portas
desliguem p.f. o microfone
ou então tirem o país da ficha

                                            Lisboa
                                                           6-V-95

Fernando Assis Pacheco

RESPIRAÇÃO ASSISTIDA, Assírio & Alvim, Lisboa, Novembro 2003

1.2.12

POUPANÇAS

A teu lado não me importam as notícias,
que tivemos o Inverno mais seco de sempre,
e a guerra, o petróleo, o bulício dos tolos.
Os jornais não trazem nada que me possa
interessar: que aprendeste finalmente a cair
de bicicleta, tens consulta para ontem
com o médico das costas e o teu sono
continua perturbado por afãs de perfeição

O amor é assim, deixa o logro do mundo
a ganir à porta. Vai tu à janela, se queres,
e atira-lhe um osso de atenção. Eu já não
creio que a história seja o melhor amigo
do homem - tu sim, felicidade perceptível,
âncora do tempo, senhora do Marão. Graças
a ti já comecei a poupar uns oito euros
por semana em semanários, arrelias e afins.

José Miguel Silva

SERÉM, 24 DE MARÇO, Averno, Novembro de 2011

29.1.12

AMAZÓNIA

IX

Corpos.
Rijos, secos
como troncos velhos.
Cepos.

Charcos de cachaça
e de suor.
Marés de força baça,
roída
e carcomida
de sóis e de torpor.

Mirrando.
Como os frutos
murchando,
como águas a estagnar.
Atlânticos mortos
de mundos a secar.

O sol e a selva
sem destroços.

- A vida é fome
à flor dos ossos.

Carlos de Oliveira

TURISMO, in NOVO CANCIONEIRO, Prefácio, Organização e Notas de Alexandre Pinheiro Torres, Editorial Caminho, Lisboa, Dezembro de 1989

21.1.12

LIVRARIA ACADÉMICA

Todas as quartas-feiras entras
na Livraria Académica  passas

os olhos pelas lombadas
dos livros alinhados sobre

o balcão  folheias um ou
outro devagar... O que procuras

entre tanta prosa amare-
lecida? Uma palavra que

justifique a tua vida.

Jorge Sousa Braga

PORTO DE ABRIGO, Assírio & Alvim, Lisboa, Novembro de 2005

19.1.12

RUI COSTA [1972-2012]




















A notícia de pesar colhida no blogue, Da Literatura: RUI COSTA 1972-2012.
(A imagem foi retirada daqui).

17.1.12

LENDO HORÁCIO

Nem o próprio dilúvio
Foi eterno.
Um dia as negras
Águas partiram. Mas como,
É verdade, houve poucos
Sobreviventes.

Bertolt Brecht

Poemas, Tradução (Com colaboração de Sylvie Daswarte) Selecção, Estudos e Notas de Arnaldo Saraiva, Editorial Presença, Lda., Lisboa

10.1.12

"A rede do poder corporativo mundial"

Leia-se [aqui] o esclarecedor artigo do economista brasileiro Ladislau Dowbor.

7.1.12

A Ordem Criminosa do Mundo / El Orden Criminal del Mundo



nunca é demais alertar para esta (des)ordem mundial.

4.1.12

Gerald Celente: Acabemos com esta farsa de democracia



Como estamos no olho furacão, vale a pena escutar outras opiniões sobre a maldita crise.