para Domingos da Mota
«Morreram todos a bordo, mas o barco persegue o intento
que desde o porto vem buscando.»
Giórgos Seféris (*)
não me seduz mais Poeta caminhar entre os mortos
as palavras estão gastas como as solas dos meus sapatos
cansadas de percorrer essas ruas sem saída
as feridas nos meus olhos não cicatrizam mais
há esquinas e mais esquinas que carrego comigo
numa delas minha mulher me espera com um sorriso
e um pôr-de-sol nas mãos muito brancas
talvez faça isto apenas para me consolar
porque meu navio naufragou Poeta e todos morreram
devo por esta razão agradecer aos céus por ainda estar
quase vivo
não cheguei ao porto que desejava chegar
por não conhecer a intimidade do mar e a astúcia dos ventos
deixei-me guiar pela bússola que pensei existir na palma
da minha mão
mas o norte era outro e eu não consegui decifrá-lo
fui traído pelos próprios códigos que criei
agora percebi que sou frágil
mas em compensação Poeta não sinto nenhuma necessidade
do poema
e nenhum deus mais me diverte
só a inutilidade me abriga
só a inutilidade me abraça
Júlio Saraiva
(*) a epígrafe utilizada são versos do poema O ar de um dia, de Séferis, traduzido pelo poeta brasileiro José Paulo Pais
A poesia do Júlio Saraiva merece ser compartilhada como aqui neste espaço.
ResponderEliminarMaravilha!
Sandra Fonseca
Sandra Fonseca,
ResponderEliminarSem dúvida que sim, que a poesia do Júlio Saraiva merece maior divulgação.
Assim como a sua.
Obrigado pela visita.
Domingos da Mota