13.9.25

Salafrário

Não lhe pesa a consciência,
nem sente qualquer remorso,
nem perante a evidência
do desastre faz um esforço
para ver a incoerência
entre o que diz e o que faz
quando apregoa inocência
(à sombra de frei Tomás).
Se quem exige dos outros
uma postura impoluta
corre atrás de valhacoutos
que o salvem na disputa
onde imagina sicários,
não será um salafrário?


Domingos da Mota

7.9.25

Lisboa

Lisboa

com moedas põe adornos
para incensar unicórnios.

Quantas moedas luzentes,
como se ouro de lei,

são de lata, ou simplesmente
a fava do bolo-rei?


Domingos da Mota

4.9.25

PQP



     (...) Não te sentes feliz
     se o povo reza livremente o terço no país
     e são muito cristãos os nossos governantes?

     Ruy Belo



Desde o berço,
Vai à missa,
Reza o terço,

Não pragueja
(Como manda
A madre igreja).

Só diz, chiça!
Irra! Apre!
Mesmo que

A PQP

Entre
Dentes
Lhe escape.


© Domingos da Mota

24.8.25

Maestro José Luís Borges Coelho (1940-2025)


Pesar. Muito pesar!
              
                                         (Fotografia de Egídio Santos)
 

15.8.25

o poder a banhos

o poder a banhos
quando tudo arde
não te causa estranhas
sensações de alarme?

o poder que fica
discreto a ver
imagens terríveis
de estarrecer

e mal mexe um dedo:
preguiça distante
do fogo e do medo
superabundantes

poder - que poder
mal o fogo acabe
de quem fica a ver
quando tudo arde?


Domingos da Mota

13.8.25

Isto não é um haiku

oh, anda ver
o petróleo verde
a arder


Domingos da Mota

10.8.25

BILHETE-POSTAL NEGRO

I

Calendário repleto de compromissos, futuro incerto.
O rádio trauteia uma canção popular sem nacionalidade.
Cai neve no mar totalmente gelado. Vultos
             acotovelam-se no cais.


II

Acontece, a meio da vida, a morte bater-nos à porta
e tomar-nos as medidas. Essa visita é esquecida,
e a vida continua. O fato, porém, esse
             é cosido em silêncio.

Tomas Tranströmer

50 Poemas, Tradução de Alexandre Pastor, Relógio D'Água Editores, Lisboa, julho de 2012

24.7.25

Independente

De quem dependes,
independente?
A quem te vendes
veladamente?

© Domingos da Mota

15.7.25

Epigrama cautelar

Cautela com os velhacos:
fracos com os fortes;
fortes com os fracos.

© Domingos da Mota

3.7.25

Ponto final, parágrafo

A morte não bate à porta,
acomete, não avisa
e, sem mesuras, fatal,
dita o ponto final.

O parágrafo seguinte
serão outros a escrevê-lo
com mais ou menos desvelo,
com mais ou menos requinte.


© Domingos da Mota

25.6.25

Diktat

cinco por cento decreta
o vendedor de armamento
e um coro de opereta
consigna 
cinco por cento
do produto interno bruto
para as fábricas de morte
do poder absoluto
no atlântico norte



Domingos da Mota

24.6.25

[São João entrou na rusga]

São João entrou na rusga

que passou à sua porta,

cheio de pica e de tusa,

pois não é mosquinha-morta.


DM

13.6.25

LITANIA

     É grande o deus da guerra, e é seu reino
     Um campo como milhares a apodrecer.

     Stephen Crane



E a guerra,
a besta imunda desenfreada,
feroz, mais atroz que mil invernos

queima e devasta e devora
os próprios filhos que afunda
no mais fundo dos infernos


© Domingos da Mota

Bolsa de Valores e Outros Poemas
, Temas Originais, Lda., Coimbra, 2010

27.4.25

Do tardo-fascismo

Com aura de redentor,
de salvador da nação,
um serôdio seguidor
do de Santa Comba Dão

anda à solta na cidade
(não é D. Sebastião)
e promete à liberdade
colocá-la na prisão:

fala grosso, dão-lhe espaço,
e vezeiro em malas-artes
faz o ninho no regaço
de arrivistas e compartes.


© Domingos da Mota

24.4.25

Basta, bonda!

Não me vou achegar nem sequer dar-me 
com quem chega a tal ponto: basta, bonda!
Abundam por aí, querem guiar-te,
e levantam o facho e vão na onda

e ameaçam nas praças e avenidas 
e difundem o eco nas pantalhas
(a saudação romana reaviva 
o sonho celerado de canalhas).

À turba que destila ódio e fel, 
movida pela cega obsessão
contra o outro, o diferente, o de fora,

acenam com o pão, 
o vinho e o mel
(ocultando a pesada mão de ferro 
onde quer que dominem, como outrora).

© Domingos da Mota

24.2.25

[Quem apadrinha e faz coro]

Quem apadrinha e faz coro

com as toadas de ódio,

postergando, sem decoro,

que se desate o nó górdio?


Domingos da Mota

19.2.25

Negociações de paz

Enquanto uns partem

pedra, outros projectam

mais pedregulhos


Domingos da Mota

9.2.25

Receita para fazer um candidato a presidente

Pega-se num político
de discurso redondo:
dá-se-lhe espaço de
comentário na televisão

(com jornalista ao lado 
ou teleponto em frente)
de sorriso na lapela:
semanalmente

Domingos da Mota

(a partir do texto "Telepresidentes", de Carlos Matos Gomes, na sua página do Facebook, 08.02.2025)


1.2.25

Toque

Deu-me um toque
virtual.
Que sentido
terá ele

quando o seu
potencial
não o sinto
sobre a pele,

nem o vejo,
nem o escuto,
nem é toque
à la minuta?

O enfoque
nesse toque
imprevisto,
sem aviso,

mais parece
um toc, toc
virtualmente
indeciso.

Domingos da Mota




19.1.25

sonhei

sonhei
que um fogo vindo do céu
devastava a América.

o homem sonha.
se deus quiser
a obra nasce.

Alberto Pimenta


QUE LAREIRAS NA FLORESTA [de as moscas de pégaso], 7 nós, Porto, Janeiro de 2010