31.10.20

Política literária

                A Manuel Bandeira


O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.

Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz.

Carlos Drummond de Andrade


Antologia Poética, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2015

12.8.20

Basta, bonda!

Não me vou achegar nem sequer dar-me 
com quem chega a tal ponto: basta, bonda!
Abundam por aí, querem guiar-te,
e levantam o facho e vão na onda
e desfilam nas praças e avenidas 
e deixam o eco nas pantalhas
(a saudação romana reaviva 
o sonho celerado de canalhas).
À turba que destila ódio e fel, 
movida pela cega obsessão
contra o outro, o diferente, o de fora,
acenam com o pão, 
o vinho e o mel
(ocultando a pesada mão de ferro 
onde quer que dominem, como outrora).

© Domingos da Mota

18.5.20

Medos

A medo sai de casa, vai à rua,
a medo desce no elevador;
a medo olha o sol, mas é na lua
que leva a cabeça; por favor,

a medo diz a quem pára a seu lado
sem cuidar de manter outra distância;
a medo continua mascarado,
com medo de agravar a sua ânsia;

a medo dá a volta ao quarteirão;
a medo entra numa padaria,
a medo chama o dono e pede o pão,
a medo lava as mãos, tenha um bom dia:

com medo, o pacato cidadão
confina-se de novo, ou morde o cão.

© Domingos da Mota

25.2.20

Parafraseando:

pelo sim pelo não
retiro o que não disse
e o que não publiquei

não vá
o Facebook dizê-lo
e publicá-lo

© Domingos da Mota

(a partir da leitura do último poema do livro 'Um ócio todo estendido', de Paulo José Borges)