24.8.25

Maestro José Luís Borges Coelho (1940-2025)


Pesar. Muito pesar!
              
                                         (Fotografia de Egídio Santos)
 

15.8.25

o poder a banhos

o poder a banhos
quando tudo arde
não te causa estranhas
sensações de alarme?

o poder que fica
discreto a ver
imagens terríveis
de estarrecer

e mal mexe um dedo:
preguiça distante
do fogo e do medo
superabundantes

poder - que poder
mal o fogo acabe
de quem fica a ver
quando tudo arde?


Domingos da Mota

13.8.25

Isto não é um haiku

oh, anda ver
o petróleo verde
a arder


Domingos da Mota

10.8.25

BILHETE-POSTAL NEGRO

I

Calendário repleto de compromissos, futuro incerto.
O rádio trauteia uma canção popular sem nacionalidade.
Cai neve no mar totalmente gelado. Vultos
             acotovelam-se no cais.


II

Acontece, a meio da vida, a morte bater-nos à porta
e tomar-nos as medidas. Essa visita é esquecida,
e a vida continua. O fato, porém, esse
             é cosido em silêncio.

Tomas Tranströmer

50 Poemas, Tradução de Alexandre Pastor, Relógio D'Água Editores, Lisboa, julho de 2012

24.7.25

Independente

De quem dependes,
independente?
A quem te vendes
veladamente?

© Domingos da Mota

15.7.25

Epigrama cautelar

Cautela com os velhacos:
fracos com os fortes;
fortes com os fracos.

© Domingos da Mota

3.7.25

Ponto final, parágrafo

A morte não bate à porta,
acomete, não avisa
e, sem mesuras, fatal,
dita o ponto final.

O parágrafo seguinte
serão outros a escrevê-lo
com mais ou menos desvelo,
com mais ou menos requinte.


© Domingos da Mota

25.6.25

Diktat

cinco por cento decreta
o vendedor de armamento
e um coro de opereta
consigna 
cinco por cento
do produto interno bruto
para as fábricas de morte
do poder absoluto
no atlântico norte



Domingos da Mota

24.6.25

[São João entrou na rusga]

São João entrou na rusga

que passou à sua porta,

cheio de pica e de tusa,

pois não é mosquinha-morta.


DM

13.6.25

LITANIA

     É grande o deus da guerra, e é seu reino
     Um campo como milhares a apodrecer.

     Stephen Crane



E a guerra,
a besta imunda desenfreada,
feroz, mais atroz que mil invernos

queima e devasta e devora
os próprios filhos que afunda
no mais fundo dos infernos


© Domingos da Mota

Bolsa de Valores e Outros Poemas
, Temas Originais, Lda., Coimbra, 2010

27.4.25

Do tardo-fascismo

Com aura de redentor,
de salvador da nação,
um serôdio seguidor
do de Santa Comba Dão

anda à solta na cidade
(não é D. Sebastião)
e promete à liberdade
colocá-la na prisão:

fala grosso, dão-lhe espaço,
e vezeiro em malas-artes
faz o ninho no regaço
de arrivistas e compartes.


© Domingos da Mota

24.4.25

Basta, bonda!

Não me vou achegar nem sequer dar-me 
com quem chega a tal ponto: basta, bonda!
Abundam por aí, querem guiar-te,
e levantam o facho e vão na onda

e ameaçam nas praças e avenidas 
e difundem o eco nas pantalhas
(a saudação romana reaviva 
o sonho celerado de canalhas).

À turba que destila ódio e fel, 
movida pela cega obsessão
contra o outro, o diferente, o de fora,

acenam com o pão, 
o vinho e o mel
(ocultando a pesada mão de ferro 
onde quer que dominem, como outrora).

© Domingos da Mota

28.2.25

Das avenças

Avenças

desavenças

crenças

descrenças:

tenças

quão tensas?


DM

24.2.25

[Quem apadrinha e faz coro]

Quem apadrinha e faz coro

com as toadas de ódio,

postergando, sem decoro,

que se desate o nó górdio?


Domingos da Mota

19.2.25

Negociações de paz

Enquanto uns partem

pedra, outros projectam

mais pedregulhos


Domingos da Mota

1.2.25

Toque

Deu-me um toque
virtual.
Que sentido
terá ele

quando o seu
potencial
não o sinto
sobre a pele,

nem o vejo,
nem o escuto,
nem é toque
à la minuta?

O enfoque
nesse toque
imprevisto,
sem aviso,

mais parece
um toc, toc
virtualmente
indeciso.

Domingos da Mota




19.1.25

sonhei

sonhei
que um fogo vindo do céu
devastava a América.

o homem sonha.
se deus quiser
a obra nasce.

Alberto Pimenta


QUE LAREIRAS NA FLORESTA [de as moscas de pégaso], 7 nós, Porto, Janeiro de 2010

31.12.24

Adília Lopes (1960-2024)

Tenho uma vida
a viver
e uma morte
a morrer


Adília Lopes



LE VITRAIL LA NUIT
A ÁRVORE CORTADA
, & etc, Lisboa, Fevereiro de 2006

8.12.24

Avó

minha santíssima avó
com um vestido comprido justo
abotoado
com uma quantidade incontável
de botões
qual orquídea
qual arquipélago
qual constelação

sento-me no seu colo
e ela conta-me
o universo
de sexta
a domingo

compenetrado
sei tudo –
– sobre ela
a única coisa que oculta
é a sua origem
avó Maria apelido de solteira Balaban
Maria Calejada

nada diz
sobre o massacre
da Arménia –
o massacre dos Turcos

quer poupar-me
conceder-me vários anos de ilusão

sabe que chegará o dia
em que o descobrirei por mim mesmo
sem palavras maldições e lágrimas
a superfície
áspera
e a profundidade
da palavra

Zbigniew Herbert

POESIA QUASE TODA (1956-1998)
, Introdução de J. M. Coetzee, Selecção de J. M. Coetzee e Alissa Valles, Tradução do polaco e notas de Teresa Fernades Swiatkiewicz, Edição Cavalo de Ferro, Penguin Random House Grupo Editorial, Unipessoal, Lda., Lisboa, Outubro de 2024

21.10.24

Grandessíssimo!

Como é rico oh! 
riquíssimo esse grande
grandessíssimo!


© Domingos da Mota

29.9.24

perder a face

se há quem passe
e quem repasse
palavras-passe
casas de passe

e isto dá-se
e aquilo faz-se
sem que se caia
se perca a face


© Domingos da Mota

27.7.24

16.6.24

[Apanhado por um pico]

Apanhado por um pico
de popularidade o modelo Varoufakis
de mochila esgotou-se.


Francisco José Craveiro de Carvalho

Quatro Garrafas de Água
, Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, 2017