Limbo
Pescadores em Ballyshannon
Apanharam esta noite uma criança
Na rede, juntamente com o salmão.
Uma desova ilegítima,
Pequeno ser devolvido
Às águas. Mas estou certo
Que quando ela, nos baixios,
O mergulhou ternamente
Até os nós gelados dos dedos
Estavam mortos como os seixos,
Ele era um isco com anzóis
A rasgá-la por dentro.
Ela entrou na água sob
O sinal da sua cruz.
Ele veio na rede com o peixe.
Agora o limbo será
Um frio reluzir de almas
Numa região distante e salgada.
Mesmo as palmas de Cristo, por sarar,
Doem e não conseguem pescar lá.
Seamus Heaney
DA TERRA À LUZ poemas 1966 - 1987, Tradução, prefácio e notas de Rui Carvalho Homem, Relógio D'Água Editores, Janeiro de 1997
«Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.» Livro dos Conselhos, El-Rei D. Duarte
30.8.13
12.8.13
NÃO GRITEIS MAIS
Cessai de matar os mortos,
Não griteis mais, não griteis,
Se os desejais ainda ouvir,
Se confiais em não cair.
Têm o imperceptível sussurro,
Não fazem mais rumor
Do que o crescer da erva
Alegre onde não passa o homem.
Giuseppe Ungaretti
SENTIMENTO DO TEMPO, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Fevereiro de 1971
Não griteis mais, não griteis,
Se os desejais ainda ouvir,
Se confiais em não cair.
Têm o imperceptível sussurro,
Não fazem mais rumor
Do que o crescer da erva
Alegre onde não passa o homem.
Giuseppe Ungaretti
SENTIMENTO DO TEMPO, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Fevereiro de 1971
9.8.13
Nocturno
Ver-te-ei por ventura de novo
subitamente
ao pé daquela fonte
onde os pardais e os ganhões se juntavam
no fim da jorna
e as brancas pombas vinham bicar
grãos de luz
sob a exaustão do dia
e havia franças de árvores a adormecerem
na agonia da esperança?
Não nunca mais verei o verde
dos teus olhos essa ternura arisca
Quando te perdi comecei
a atravessar o ácido rio do silêncio
Depois essa dor encolheu
como todas as coisas
No reflector que há dentro de mim
capto agora a imagem insólita
da lua e vejo a respiração dos poços
à volta da vila sonhando
a muda tristeza das suas muralhas
Anoiteço sem lágrimas
e continuo a sofrer sem saber já exactamente
se sofro por ti que partiste
ou por esta despedida de mim
2008
Urbano Tavares Rodrigues
Horas de Vidro, [Poemas do Novo Século], Publicações Dom Quixote, Lda., Lisboa, Fevereiro de 2011
subitamente
ao pé daquela fonte
onde os pardais e os ganhões se juntavam
no fim da jorna
e as brancas pombas vinham bicar
grãos de luz
sob a exaustão do dia
e havia franças de árvores a adormecerem
na agonia da esperança?
Não nunca mais verei o verde
dos teus olhos essa ternura arisca
Quando te perdi comecei
a atravessar o ácido rio do silêncio
Depois essa dor encolheu
como todas as coisas
No reflector que há dentro de mim
capto agora a imagem insólita
da lua e vejo a respiração dos poços
à volta da vila sonhando
a muda tristeza das suas muralhas
Anoiteço sem lágrimas
e continuo a sofrer sem saber já exactamente
se sofro por ti que partiste
ou por esta despedida de mim
2008
Urbano Tavares Rodrigues
Horas de Vidro, [Poemas do Novo Século], Publicações Dom Quixote, Lda., Lisboa, Fevereiro de 2011
Subscrever:
Mensagens (Atom)