13.4.09

CANÇÃO DO POEMA INÚTIL

para Domingos da Mota


«Morreram todos a bordo, mas o barco persegue o intento
que desde o porto vem buscando.»


Giórgos Seféris (*)




não me seduz mais Poeta caminhar entre os mortos


as palavras estão gastas como as solas dos meus sapatos


cansadas de percorrer essas ruas sem saída


as feridas nos meus olhos não cicatrizam mais


há esquinas e mais esquinas que carrego comigo


numa delas minha mulher me espera com um sorriso


e um pôr-de-sol nas mãos muito brancas


talvez faça isto apenas para me consolar


porque meu navio naufragou Poeta e todos morreram


devo por esta razão agradecer aos céus por ainda estar
quase vivo


não cheguei ao porto que desejava chegar


por não conhecer a intimidade do mar e a astúcia dos ventos


deixei-me guiar pela bússola que pensei existir na palma
da minha mão


mas o norte era outro e eu não consegui decifrá-lo


fui traído pelos próprios códigos que criei


agora percebi que sou frágil


mas em compensação Poeta não sinto nenhuma necessidade
do poema


e nenhum deus mais  me diverte


só a inutilidade me abriga


só a inutilidade me abraça




Júlio Saraiva


(*) a epígrafe utilizada são versos do poema O ar de um dia, de Séferis, traduzido pelo poeta brasileiro José Paulo Pais

8.4.09

RENÚNCIA

Renuncio ao prêmio e retorno ao jogo
iniciado no entardecer. A correta hora
das despedidas não enseja glórias.
Imerecidas honras decompostas
em fases percorridas na necessidade
de estar vivo enquanto o tempo
repete seus ponteiros e o cansaço
torna o corpo descompassada
luta na ilusão da sobrevivência


o andamento desacelerado em declarações
de razões impostas em restrições contidas
nas dores sentidas pelo corpo físico


anterior ao prêmio houve a aposta
e ganhar ou perder se mostrou igual
em virtudes e talentos: aos olhos amigos
restam lembranças condoídas de horas
passadas em significações e retratos.


Pedro Du Bois


em A HORA SUSPENSA