A dificuldade de pensar ao fim do dia,
quando uma sombra informe cobre o sol
e nada a não ser a luz permanece no teu pêlo --
havia o gato derramando o leite o dia todo,
gato gordo, língua vermelha, mente verde, leite branco,
e Agosto o mais pacífico dos meses.
Estar na relva, no tempo mais cheio de paz,
sem aquele monumento de gato,
o gato esquecido na lua;
e sentir que a luz é uma luz de coelho,
na qual tudo é para ti
e nada precisa de ser explicado;
assim não há nada em que pensar. Vem de si mesmo;
e o Este invade o Oeste e o Oeste precipita-se,
não importa. A relva está cheia,
cheia de ti próprio. As árvores em volta são para ti,
toda a imensidão da noite é para ti,
um eu que toca todas as margens,
tu tornas-te um eu que preenche os quatro cantos da noite,
o gato vermelho esconde-se no brilho do pêlo
e aí estás eriçado, eriçado,
cada vez mais e mais eriçado, negro como pedra --
sentas-te com a tua cabeça como uma escultura no espaço
e o gatinho verde é um insecto na relva.
Wallace Stevens
(trad. Graça Braga)
ANIMAL ANIMAL um bestiário poético, organização de Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, Lisboa, Fevereiro 2005
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