30.10.11

UM COELHO COMO REI DOS FANTASMAS

A dificuldade de pensar ao fim do dia,
quando uma sombra informe cobre o sol
e nada a não ser a luz permanece no teu pêlo --

havia o gato derramando o leite o dia todo,
gato gordo, língua vermelha, mente verde, leite branco,
e Agosto o mais pacífico dos meses.

Estar na relva, no tempo mais cheio de paz,
sem aquele monumento de gato,
o gato esquecido na lua;

e sentir que a luz é uma luz de coelho,
na qual tudo é para ti
e nada precisa de ser explicado;

assim não há nada em que pensar. Vem de si mesmo;
e o Este invade o Oeste e o Oeste precipita-se,
não importa. A relva está cheia,

cheia de ti próprio. As árvores em volta são para ti,
toda a imensidão da noite é para ti,
um eu que toca todas as margens,

tu tornas-te um eu que preenche os quatro cantos da noite,
o gato vermelho esconde-se no brilho do pêlo
e aí estás eriçado, eriçado,

cada vez mais e mais eriçado, negro como pedra  --
sentas-te com a tua cabeça como uma escultura no espaço
e o gatinho verde é um insecto na relva.

Wallace Stevens

(trad. Graça Braga)

ANIMAL ANIMAL um bestiário poético, organização de Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, Lisboa, Fevereiro 2005

Sem comentários:

Enviar um comentário