29.9.13

Verme, ou nem isso

Fosse burro ou jumento, fosse
cavalo ou ginete, um cão raivoso,

sarnento, o velhaco do motete,
fosse galo, fosse pato, fosse peru,

fosse ouriço, fosse piolho, um
chato, mas é um verme, ou nem isso.


© Domingos da Mota

23.9.13

António Ramos Rosa (1924-2013)

POEMA

As palavras mais nuas
as mais tristes.
As palavras mais pobres
as que vejo
sangrando na sombra e nos meus olhos.

Que alegria elas sonham, que outro dia,
para que rostos brilham?

Procurei sempre um lugar
onde não respondessem,
onde as bocas falassem num murmúrio
quase feliz,
as palavras nuas que o silêncio veste.

Se reunissem
para uma alegria nova,
que o pequenino corpo
de miséria
respirasse ao ar livre,
a multidão dos pássaros escondidos,
a densidade das folhas, o silêncio
e um céu azul e fresco.

António Ramos Rosa

 O GRITO CLARO (selecção de poemas), [Segunda Parte], Colecção «A Palavra», n.º 1 Faro - 1958

19.9.13

Herberto Helder : Um quarto dos poemas é imitação literária



    com a devida vénia, um poema do livro Servidões, de Herberto Helder,
                                      dito por Fernando Alves

14.9.13

13.9.13

A DEFESA DO POETA

Senhores juízes sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.

     Compus este poema para me defender no Tribunal Plenário de 
tenebrosa memória, o que não fiz a pedido do meu advogado que
sensatamente me advertiu  de  que  essa  minha insólita leitura no
decorrer do julgamento comprometeria a defesa, agravando a sen-
tença.

Natália Correia

Antologia Poética,  [A Mosca Iluminada], Prefácio de Fernando Pinto do Amaral, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Junho de 2002 

7.9.13

Contra o vómito

    Porque o poema é sempre contra o vómito.
     Porque o poema é sempre, SOBRETUDO,
     contra engolir o vómito.

     Vasco Gato


Uma fossa, uma latrina,
um esgoto repugnante,
um rato que congemina
ser o Inferno de Dante;

um caga-raiva mais sujo,
mais empestado que as fezes,
mais reles que um sabujo,
mais desprezível, mil vezes,

a vomitar o seu ódio
com insultos viscerais,
um verme que busca o pódio
entre vírus e demais

bactérias resistentes,
a julgar-se um Tiradentes.

© Domingos da Mota




1.9.13

EPITÁFIO DE UM TIRANO

Uma certa perfeição era o que ele procurava,
A poesia que inventava era de fácil compreensão;
Conhecia a loucura humana como as costas da mão,
Exércitos e esquadras eram coisas muito suas;
Quando ria, os senadores riam às gargalhadas,
E quando gritava, as crianças morriam nas ruas

W. H. Auden

Antologia de Poesia Anglo-Americana De Chaucer a Dylan Thomas, Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões, Campo das Letras, Editores, S. A., Outubro de 2002